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A mostrar mensagens de abril, 2016

O Patrãozinho

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   Estava sentado de encontro à parede, aproveitando o calorzinho do sol de fim de tarde, ouvindo os pássaros e observando uma aranha que teimava em reconstruir a teia que ele diariamente destruía na ombreira da porta. Nunca se arrependera de ter trocado a sua casa de Setúbal para viver neste recanto alentejano. Sete quilómetros até à vila mais próxima não era nada, e com tv por cabo e internet era como se não se tivesse nunca afastado dos amigos citadinos. Alguns deles via-os até mais amiúde, porque gostavam de o vir visitar ao campo ao fim de semana, quando enquanto vizinhos na grande cidade quase não se encontravam. Alguns invejavam-no em segredo, outros sem o ocultar, mas nem todos tinham a sorte de poder trabalhar a partir de casa, e menos ainda tinham a coragem de largar os velhos hábitos afastar-se das correrias que sempre tinham conhecido. Absorto nestes pensamentos quase não reparava na figura que subia o caminho. Tentou reconhecê-la, mas contra a luz do pôr-do-sol não era fác

O Amor É Cego

    Conheceram-se por acidente numa esquina de Viseu. Ele acertou com a sua bengala branca, sem querer,  no cão de cego dela, o qual,  num repente canino a mordeu e partiu. Ele não deu por nada, e ao tactear o passeio, chocou com ela. Foi amor à primeira vista. Ele pediu desculpa sem saber a quem, e ela desculpou sem saber o quê.     Seguiram juntos sem se aperceberem, e foi o olfacto que o fez compreender que não caminhava sozinho:  ao perfume dela  sobrepunha-se   o cheiro a cão .     Foi a voz de cana rachada que a seduziu.  Persuadiu-a a tomar um café. Conversaram alguns minutos com os cotovelos apoiados no açúcar que haviam derramado sobre a mesa, e foi já a caminho da porta que ele lhe arrulhou ao ouvido doces palavras em braille. O cão arrebitou as orelhas, mas não disse nada, e quando seguiram em direcções opostas ela fez-lhe sinal para que a seguisse. Ele não viu, e nunca mais se encontraram.