O Amor É Cego

    Conheceram-se por acidente numa esquina de Viseu. Ele acertou com a sua bengala branca, sem querer,  no cão de cego dela, o qual,  num repente canino a mordeu e partiu. Ele não deu por nada, e ao tactear o passeio, chocou com ela. Foi amor à primeira vista. Ele pediu desculpa sem saber a quem, e ela desculpou sem saber o quê.
    Seguiram juntos sem se aperceberem, e foi o olfacto que o fez compreender que não caminhava sozinho: ao perfume dela sobrepunha-se o cheiro a cão .
    Foi a voz de cana rachada que a seduziu. Persuadiu-a a tomar um café. Conversaram alguns minutos com os cotovelos apoiados no açúcar que haviam derramado sobre a mesa, e foi já a caminho da porta que ele lhe arrulhou ao ouvido doces palavras em braille. O cão arrebitou as orelhas, mas não disse nada, e quando seguiram em direcções opostas ela fez-lhe sinal para que a seguisse. Ele não viu, e nunca mais se encontraram.

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