Literatura Infantil
Decidi dedicar-me à literatura infantil. Pode parecer um capricho, mas é uma ideia que tem vindo a germinar no meu espírito desde que tomei contacto com este surpreendente género literário, tão subvalorizado. Foi este o género que deu ao mundo pérolas como “Tio Lobo”, “Zonzo, o Cabritinho”, “Olá, eu sou um livro”, “Leonardo o Monstro Terrível”, “O Senhor Cavalo-Marinho”, “Rosa Rebuçado” ou “O Gui e a Consola Nova”. Mas foi a última obra adquirida cá para casa que me decidiu: “O Capitão Barriga Castanha”. A princípio senti-me intimidado com a perspectiva de enfrentar um tão temível género, mas afinal, se o Saramago e o Miguel Sousa Tavares são capazes, não deve ser necessário grande esperteza.
Cá vai então o primeiro arremedo de esboço.
A Galinha CáCá e a Pergunta Que Não Tinha Resposta
CáCá era uma franga bem comportada: só comia minhocas asseadas, não debicava o milho das outras aves e não esgaravatava para cima das patas de ninguém. Por esse motivo, e apesar de ainda novinha, todos gostavam dela e lhe achavam graça, augurando-lhe um futuro promissor em qualquer churrasco de categoria.
Mas Cácá não era apenas uma cara bonita. Era também uma franganita curiosa que colocava questões que divertiam galos, galinhas e outras aves de capoeira: que fazemos aqui; para onde vamos; qual é sentido da vida. As respostas eram sobejamente conhecidas e repetidas com frequência: comemos e cacarejamos, não vamos a lado nenhum, e o sentido da vida é descendente.
Mas tudo mudou um dia quando CáCá colocou inadvertidamente a pergunta proibida: quem apareceu primeiro: o ovo ou a galinha?
Mal formulou esta questão o cacarejar parou, o esgaravatar cessou, as minhocas fugiram a sete pés e os grãos de milho correram a esconder-se na maçaroca mais próxima. Só as laradas ficaram, indiferentes ao que se passava à sua volta, como habitualmente. O galo Cipião, chefe da comunidade, olhou para CáCá reprovadoramente, arregaçou os esporões… e deu meia volta, virando-lhe o rabo. Imediata e obedientemente todas as galinhas fizeram o mesmo e viraram o rabo à CáCá. Foi aí, enfrentando o círculo de rabos orgulhosamente alçados, que CáCá percebeu de onde vinham os ovos.
Percebeu, mas não quis acreditar, e quando alguma galinha disfarçadamente se escapulia para as moitas para pôr, CáCá disfarçadamente ia atrás, na esperança de confirmar a sua suposição, o que nunca conseguiu, pois as malandras, por desconfiança, hábito ou vergonha, agachavam-se sempre, ocultando o procedimento.
CáCá, desapontada com a inutilidade da sua pesquisa, decidiu fazer um estudo mais alargado, e vagueou pela quinta à procura de animais que não ocultassem tanto o rabo. Aproximou-se cuidadosamente de uma cabra, e foi com espanto e alívio que viu que do rabo de um animal tão grande saíam apenas caganitas, que apesar da quantidade não a assustaram; ganhou coragem e aproximou-se da vaca, maior ainda, e foi aliviada que viu o rabo da vaca deitar apenas uma massa maleável, que se esborrachava no chão sem forma definida. E pensou:
- Se animais como estes não esforçam o rabinho, não é mesmo possível que de uma galinha tão pequena possa sair um ovo grande, redondo, frágil, e contudo inteiro. Não pode o ovo ter vindo da galinha. Deve a galinha ter vindo do ovo, e assim sendo não preciso preocupar-me com a saúde da minha cloaca.
Confortada com a sua descoberta voltou ao galinheiro e embora tivesse tentado partilhar a sua descoberta com as demais aves, nenhuma a quis ouvir, continuando a sua vida rotineira de bicar, esgaravatar, cacarejar… e pôr.
Mas CáCá não se preocupava com isso, pois tinha provado por A+B que os ovos não vinham das galinhas.
Pobre CáCá! Podia somar o alfabeto inteiro que nem assim poderia mudar a Mãe Natureza, e lá veio o dia em que, apesar das suas reticências, sobrevieram os instintos maternais e a sensação de cloaca cheia. Ela bem tentou contrariá-los, mas entre medos e pensamentos reconfortantes de cabras e vacas, procurou uma moita, agachou-se… e pôs um ovo mexido.
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