Todos os Nomes
As crianças são o melhor do mundo, e a minha não é excepção. Não há dia que oiça uma música ou veja um filme na telvisão que não exclame: Ah, ele disse um palavrão! E depois pergunta-me se era na verdade um palavrão e o que significa.
E é aí que me confronto com essa dificuldade clássica, que é definir o que é ou não é um palavrão. Um exemplo clássico e comum é "bitch".
- Ó pai o que quer dizer bitch?
- Bitch quer dizer "cadela".
- Mas ali nas legendas diz que é "cabra".
E pronto, está o caldo entornado. Agora tenho que lhe explicar a diferença entre uma cabra e uma cadela? Ainda por cima quando eu sei (e ele também) que as músicas e os filmes não se referem a animais domésticos? Lá tenho que encerrar o assunto com a explicação de que se trata de um insulto.
Parece que foi ontem que perguntei ao meu pai o que era uma prostituta, palavra comprida que também constava de umas legendas de um filme a preto e branco (acho que era o Baretta). É claro que ele foi muito mais sucinto: disse-me que era uma puta. Isso eu já percebia, tinham-me ensinado na escola. Os colegas, não a professora...
Mas aqui é que bate o meu ponto: porque é que podemos dizer prostituta, mas é feio dizer puta? Será uma questão do preço da hora? Uma é fina e a outra é badalhoca? Ou trata-se tudo do mesmo? Se lhe chamarmos nomes diferentes, as pessoas mudam? Será que os nossos políticos, se lhes chamarmos descendentes de meretrizes, deixam de ser quem são?
E que dizer da merda? Sim, todos sabemos do que se trata, não vale a pena assobiar para o lado, porque nunca anda muito longe de nós. Merda, bosta, cagalhão, cocó, defecação, excreção, excremento, fezes, matéria fecal, porcaria, esterco, estrume... Se em vez de lhe chamarmos "merda", lhe chamarmos "cocó" ficará mais respeitável? Cheirará melhor? Mudará de cor ou de consistência? Duvido. Então porque é que não podemos dizer "merda"? Será a palavra que é repelente, não a substância? Nesse caso se lhe chamarmos "florzinha", já podemos levar para casa e pôr em cima da mesa, ao lado do telecomando, a enfeitar.
E que dizer do xixi? Será justo obrigar os miúdos pequenos a aprender uma palavra tão difícil, quando podiam simplesmente dizer "mijo"? É que funciona como nome, e como verbo, muito mais útil do que "ir fazer xixi". E depois surge a questão intemporal, que desde sempre confundiu gerações: como se escreve xixi? com xis? ou com ch? é xixi ou chichi? Uma palavra só, ou hifenada: xi-xi; talvez chi-chi; ou pode ainda ser um híbrido: xi-chi. Se usarmos "mijar", nenhuma dessas dúvidas se coloca. É uma palavra simples, dissílabo e sem casos da leitura. Porquê torturar as pobres almas da escola primária?
Enfim, como é fácil compreender, a lista pode não ser infinda, mas é extensa. Se andamos a tentar descobrir onde é que podemos poupar umas consoantes mudas, não seria mais proveitoso unificar o léxico? Digamos cagar em vez de defecar, mandemos os vizinhos incómodos ir apanhar no cu em vez de sugerir que façam menos barulho, e chamemos cabrão em vez de Passos Coelho.
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