Drácula
Calhou que em conversa alguém mencionasse o icónico Ricardo Araújo Pereira como autor de uma crónica que fazia a apologia do vampiro. Não li. Embora o meu interlocutor mencionasse o assunto superficialmente e com escassez de detalhes, a hematofagia era defendida com base nos seguintes pressupostos: se com uma simples picada no pescoço se pode conseguir a imortalidade, então qual é o problema? Deviam fazer fila para ser mordidos por vampiros em vez de sacar dos crucifixos.
Não sei se será bem assim. Parece-me uma visão simplista e redutora do problema. Passo a expor as minhas reticências:
- Sou alérgico a picadas. Se não fosse tão averso a ser perfurado, seria candidato a toxicodependente, mas sendo como sou, nem tenho tatuagens nem sequer quero ser diabético. E ter dois furinhos no pescoço, além de inestético, faz-me muita impressão.
- O espelho. Vampiro que é vampiro não tem a sua imagem reflectida no espelho. Ora eu até nem sou vaidoso, mas até eu faço a barba de vez em quando, e fazê-la sem ser ao espelho foi coisa que nunca me passou pela cabeça. Que eu saiba, os vampiros querem-se bem escanhoados, embora eu não saiba como o conseguem. Possivelmente vão à barbearia da moda, viram a capa para a frente e pedem barba e cabelo, mas isso não me parece exequível, porque as barbearias não abrem à noite, e os vampiros não toleram a luz do sol.
- Os vampiros não toleram a luz do sol. Como esperam que me sente na esplanada a beber umas bejecas às escuras? Tem graça uma vez por outra, mas no inverno não apetece.
- O alho. De que serve viver para sempre se depois não posso aproximar-me de umas ameijoas à Bulhão Pato?
- O caixão. Todos sabem que os vampiros dormem num caixão. Ora os caixões estão pela hora da morte, e além disso seria incapaz de dormir uma noite inteira de braços cruzados sobre o peito, sem me enroscar em posição fetal ou dormir atravessado. Além disso, se um vampiro consegue engatar uma garina e levá-la para o seu lúgubre castelo, quando chega a hora do truca truca como se amanham no caixão? Parece-me demasiado apertado. Talvez seja por isso que para se multiplicarem têm que andar a morder o pescoço das pessoas: da maneira tradicional não conseguem.
- A estaca no coração. Afinal a imortalidade não é assim tão definitiva. Qualquer estaca espetada no coração de um vampiro o manda desta para melhor. É claro que isso não os torna especiais: qual de nós não iria desta para melhor com uma estaca espetada no coração?
Enfim, sem querer alongar-me e esgotar o assunto, estas são algumas das dúvidas que me levam a evitar gente com caninos suspeitamente salientes e capas negras.
Por isso não me atreveria a estudar em Coimbra.
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