I Found Jesus

  É verdade. Eu encontrei Jesus.
  Estava a jogar flippers no Centro Comercial Palladium, nos Restauradores. Naquela casa de jogos lá ao fundo, sabem? Ao princípio não o reconheci, porque trazia uma t-shirt dos Jesus & Mary Chain, e pareceu-me foleiro que Jesus tivesse uma t-shirt com o seu próprio nome, mas fiquei ali ao lado da máquina a vê-lo jogar por um bocado, e convenci-me que era mesmo ele. Estava com o Super-Homem. Esse foi mais fácil de reconhecer, porque estava fardado. Ao princípio também não acreditei, porque me pareceu estranho que o Superman fosse jogar flippers vestido de Super-Homem. Pensei que fosse mais um maluco a imitar um super-herói, mas quando olhei para ele vi que tinha postos os óculos do Clark Kent. A Momentary Lapse of Reason, achei eu, mas ele viu-me a olhar com ar intrigado e disse-me com maus modos que já não via tão bem como antigamente, e que precisava deles, não para ler, ou ver televisão, mas para jogar flippers. Parece que dantes o sol amarelo da Terra lhe dava super poderes, mas com o buraco do ozono acelerou-se o seu processo de decrepitude. Além disso mesmo eu consigo perceber que até o mais empedernido dos super-vilões hesita antes de bater num homem de óculos. Por isso é que já não ouvimos falar tanto dele. Está ocupado a jogar flippers no Centro Comercial Palladium com Jesus Cristo. Passam lá as tardes. Às vezes vão ao Rossio comer uma bifana, mas depois voltam. São bons naquilo. É vê-los tirar bolas extra e bónus uns atrás dos outros. Parece milagre. Têm sempre o crédito de 5 bónus esgotado, raramente precisam de meter moeda.
   E tive sorte. Enquanto foram comer uma bifana deixaram-me a jogar na máquina com os seus créditos, para que a tivessem reservada quando voltassem. Eu também não sou mau jogador. Quando voltaram tinham os seus 5 créditos à mesma e eu já tinha jogado algumas partidas. Não muitas, porque até não sou mau jogador e não deixo as bolas sair com facilidade, mas os créditos lá estavam. Voltaram com uma amiga, e como a máquina dá para 4 jogadores pudemos jogar todos. Jogámos uma bola cada um antes que a reconhecesse: era a Princesa Diana. Tinha ido procurar uns cromos para a troca ali na estação do Rossio quando a encontraram, e voltaram todos. Ela estava diferente, tinha um piercing no nariz, discreto, e estava mais gorda, mas continuava simpática. O JC e o Superman é que estavam com azar: as bolas saíam todas pelo lado esquerdo, nada a fazer. O Super-Homem até se descuidou com os safanões que deu à máquina, fez tilt 2 ou 3 vezes e já se estava a irritar. Não queiram ver o Super-Homem irritado. São muitos tilts. O Jesus, por outro lado, estava mesmo nabo. Acho que aquilo de transformar a água em vinho deixa o tinto um bocado aguado, com pouco grau, e duas Sagres e uma bifana foram o suficiente para o deixar meio à nora, descoordenado. Não aguenta o álcool. É engraçado como nunca me tinha ocorrido que Jesus Cristo dissesse palavrões. Nem quando teve aquela fúria no templo deixou escapar algo em vernáculo, mas ali estava Ele, bastante verborraico. Acho que nunca tinha ouvido praguejar em aramaico, mas se havia dúvidas quanto ao conteúdo, a intenção era bastante clara. Mas foi com doçura na voz que se dirigiu a mim.
   Sim, eu ouvi a voz do Senhor:
   - Empresta-me cinco paus.
   A Princesa Di deu-lhe um calduço na nuca e pô-Lo na linha:
   - Empresta-me 5 paus, SE FAZ FAVOR.
   Ah, a educação de sangue azul!
   - Empresta-me 5 paus, se faz favor - repetiu Ele obedientemente.
   - Para quê? - perguntei . - Ainda há muitos bónus na máquina, podes jogar à vontade.
   Foi a vez de ele ralhar comigo:
   - Podes jogar à vontade, SENHOR!
   - Podes jogar à vontade, Senhor - repeti obedientemente.
  - Estou farto desta merda. (não tenho a certeza que tenha dito "merda", era aramaico, mas pareceu). Quero ir jogar naquela. - E apontou com o polegar para uma máquina de vídeo.
   - Não tenho moedas.
   - Não tens, arranja. Jogaste com os meus bónus.
   Fui trocar um pintor, dei-lhe os cinco paus e voltei para os flippers, onde a Princesa conversava com o Super-Homem.
   - Mas quem é que deixou entrar aquela lambisgóia na Casa dos Segredos, - queixava-se ela, e o Super Homem concordava e repetia que aquele programa nunca chegaria aos calcanhares do Big Brother. Consegui mudar a conversa para os tarifários de telemóvel, que eram bastante vantajosos dentro da mesma rede. O Superman não se preocupava muito com isso, porque raramente fazia chamadas. Tinha poucos amigos, e a Lois Lane não lhe passava cartão. Recebia muitos telefonemas a pedir que salvasse o mundo ou tirasse o gato de cima da árvore, o que viesse primeiro, mas como não era ele a pagar, não importava. Lá da outra máquina o Jesus Cristo referiu que quem arranjava uns telemóveis desbloqueados a preços porreiros era o Homem. O dele tinha vindo da alfândega e o Homem tinha-o sacado por bom preço.
   Perguntei quem era esse Homem e onde estava, ao que a Princesa respondeu que quem vendia os melhores telemóveis era o Jim Morrison, e que devia estar quase a aparecer.
   Bem dito, bem feito, 5 minutos depois aparece o Jim Morrison, a fumar cachimbo. Nunca tinha visto o Jim Morrison a fumar cachimbo, mas também nunca tinha visto o Super-Homem de óculos, por isso não estranhei.
   Os outros dirigiram-se a ele com respeito, perguntaram como estava e se tinha o material. Ele disse que estava no carro e todos se prepararam para sair, acabando cada um o seu jogo.
O Sr Morrison saíu primeiro, sem olhar para trás nem esperar por ninguém. A Princesa Diana deu-me um beijinho e foi atrás dele, e o Super-Homem convidou-me para aparecer na Fortaleza da Solidão para jogar canasta. Jesus Cristo foi  o último a sair e curou-me da leucemia.
   Tenho saudades deles.

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