O trauma da pequena joana
Flávia era uma linda joaninha. Mais ainda, era uma linda joaninha de 7 pintas, das mais comuns e ao mesmo tempo das mais lindas. Não caía no exagero das joaninhas de 12 pintas, essas vaidosas, nem no das de 2 pintas, essas desleixadas. Tinha 7 pintas e orgulhava-se, achava que tinha muita pinta. E as outras joaninhas também se achavam muito lindas. Tão lindas se achavam que andavam sempre bem brilhantes e ofuscantes, com as suas asas vermelhas com brilhantes pintas pretas. Outras cores não seriam aceitáveis, era absolutamente necessário conjugar bem as cores, e só o vermelho e o preto se adequavam. Nunca se tinha ouvido falar de uma joaninha amarela com pintas verdes, ou azul com pintas fucsia. Não seria correto. E as pintas também tinham que ser certas, círculos perfeitos e brilhantes. Nada de pintas ovais ou quadradas. Não seria correto. E assim andavam todas as joaninhas, sempre aprumadas e vistosas, vestidas à moda e muito serigaitas, sempre a esvoaçar de planta para planta, como quem anda às compras num centro comercial, muito giras, muito lindas, muito joaninhas.
E este era o drama de Flávia. É que Flávia era uma joaninha heterosexual, mas por mais que procurasse, nunca tinha encontrado um joaninho. Ela bem ia a jantares e festas com as amigas, aos lugares da moda, comer, beber e ouvir cantar o fado, mas nunca aparecia um joaninho para acompanhar. E as amigas da Flávia, predadoras como todas as joaninhas, depois de ouvir cantar o fado, beber e comer as moscas da fruta e os pulgões do costume, acabavam a comer-se. É que com tanta falta de joaninhos, as amigas da Flávia nem sentiam necessidade deles, e por isso não eram heterosexuais como a Flávia.
Mas não a Flávia! A Flávia andava sempre à procura do seu joaninho, e não esmorecia. Até já se contentaria com um joãozinho, mas ao fim da noite, acabava sem joaninho e a comer as amigas, por necessidade predatória. E por mais que não quisesse sempre invejava as louva-a-deus ou as viúvas negras, que afinal tinham parceiros, mesmo que vivessem pouco tempo.
E assim a Flávia se achava especial e incompreendida, até ao dia em que encontrou um gafanhoto heterosexual que nunca tinha visto uma gafanhota.
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