O Peixinho Que Não Sabia Nadar
Era uma vez um peixinho. Este peixinho não era dourado nem vivia num aquário, comodamente instalado entre termóstatos, filtros e navios pirata afundados que soltavam bolhinhas. Era um peixinho verdadeiro e vivia no mar. Nesse mesmo, no grande mar oceano, mesmo lá no fundo. E vivia mesmo lá no fundo do grande mar oceano porque não sabia nadar. Não se tratava de um defeito congénito, como o do Nemo, o problema é que ele simplesmente não sabia nadar. Será estranho um peixe que não sabe nadar? É. Haverá outros peixes que não sabem nadar? Não sei, não os conheço todos, mas este não sabia nadar, e o motivo pelo qual tinha este impedimento era simples: nunca tinha aprendido. E porque não tinha ele aprendido? Porque os pais nunca o tinham ensinado. Dirão: "filho de peixe sabe nadar", mas isso não passa de um estereótipo, uma frase feita, ainda por cima nunca aplicada a peixes. Quem já ouviu essa frase aplicada a peixes? Ninguém. Ouve-se muito a respeito de cantores, actores e outros bolores, mas sobre peixes nunca se ouviu tal coisa. Que não se pense que o pai deste peixinho era descuidado ou não gostava do filho. Tinha-lhe ensinado outras coisas: a tabuada, a lavar-se debaixo dos sovacos e a andar de bicicleta, mas nunca chegou a ter tempo para o ensinar a nadar, porque tinha muitos filhos. A mãe peixa pôs milhares de ovos e sobreviveram muitos, o que tornou difícil ter tempo para ensinar tudo a todos. Alguns não aprenderam a escovar os dentes, outros não sabiam solfejar, e este não sabia nadar. Acontece.
Ora este peixinho vivia muito triste por não saber nadar e nunca se afastava do fundo arenoso onde habitava desde que saíra da casca. Os peixes são ovíparos, poem ovos, e os ovos têm casca, portanto, mais tarde ou mais cedo os peixinhos saem da casca. E este era muito saído da casca, sempre com uma resposta atrevida na ponta da língua e pronto a fazer malandrices, mas bem lá no fundo, no fundo do mar, até não era mau peixe. Por sinal era até um peixe muito bom, bestialmente saboroso e muito apreciado. Era um pregado. Os pais gostavam muito dele. As outras pessoas também, mas preferiam-no grelhado, ao contrário dos pais que gostavam dele assim como era: saído da casca.
Dizíamos nós que o peixinho vivia muito triste lá no fundo do mar, mas a sua tristeza não provinha do facto de viver no fundo do mar, porque era um pregado, e os pregados vivem no fundo do mar, mas sim de não saber nadar. Os pais confortavam-no:
- Deixa estar, filho, tu não sabes nadar mas rastejas muito bem.
E era verdade, o pregadito (tinha uma costela espanhola) rastejava com grande eficiência e rapidez. Agitava a cauda e lá ia ele, veloz que nem um caracol a perseguir um camião de salada, entre uma nuvem de areia que nem deixava ver para onde ia. E foi assim que ele se perdeu dos seus irmãos, todos os 12854, que não viram para onde ele foi. Quando a areia assentou e ele abriu os olhitos para ver o que se passava, muito dissimulado no fundo do mar, com a sua cor ajustada ao tom da areia para que ninguém o visse, deparou-se com um vazio. Todos os 12854 irmãos tinham desaparecido. Porventura tinham nadado velozmente dali para fora, esquecendo-se dele. Ou isso ou então estavam muito dissimulados no fundo do mar, com a sua cor ajustada ao tom da areia, para que ninguém os visse. Em qualquer dos casos o pregadito estava sozinho no fundo do grande mar oceano, sem saber nadar e sem ter uma bicicleta na qual se pudesse deslocar. E ali ficou, imóvel como uma pedra. Ou antes, como uns grãos de areia, esperando vivamente que ninguém reparasse nele, enquanto ele reparava em todos. Reparou na dourada que parecia ter um galo na cabeça; reparou na raia, que parecia uma borboleta a esvoaçar; reparou no choco, que andava às arrecuas, sem ver para onde ia; mas ninguém reparou nele. E de tanto reparar nos outros, ali pregado no fundo do mar, os olhos foram-se-lhe revirando até que ficaram os dois do mesmo lado da cabeça. A princípio nem deu por isso, de tão imóvel que estava, mas quando se cansou de estar imóvel e pretendeu mudar de poiso viu-se reflectido nas costelas brilhantes de um peixe-espada que passava ondulando e até se assustou com a figura grotesca que observou. O peixe-espada também o viu e riu-se dele. Não sei se já viram um peixe espada a rir, mas não é engraçado. Têm os dentes afiados e espaçados, de forma que quando riem parece que se preparam para roer uma maçaroca de milho. Embora os peixes-espada não roam milho, porque não há milho no fundo do mar e os peixes-espada não são vegetarianos. Em todo o caso, aquele riu-se, e o seu riso atraiu outros peixes que olharam para El Pregadito com os seus olhos tortos e a boca à banda e riram-se também. E chamaram-lhe nomes e gozaram com ele:
- É o Quasímodo dos Mares. - afirmou um carapau de corrida.
- Fugiu de um quadro do Picasso - sugeriu uma faneca atrevida
- Não é um pregado, é um pespegado - riu-se um rascasso empertigado.
- Não é um pregado, é um pespegado - riu-se um rascasso empertigado.
Até a solha ia fazer um comentário sarcástico quando se apercebeu que também tinha os dois olhos do mesmo lado da cara e fugiu a esconder-se na areia.
Tanta atenção vexou tanto o nosso amigo pregado que rastejou velozmente a refugiar-se na rede de um arrastão de Sesimbra.
Reza a história que descobriu a felicidade na vitrina de uma marisqueira local, embelezado por rodelas de limão e raminhos de salsa e admirado por inúmeros clientes que lhe gabavam a frescura e o bom aspecto.
MORAL DA HISTÓRIA: Quem o feio ama, saboroso lhe parece.
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