O desalmado
Houve em tempos uma pessoa igual às outras. Presa na sua vida pequenina das 9 às 5, pouco mais fazia depois das 5 do que esperar pelas 9. Nem sempre assim fora, mas o tempo e a idade a foram empurrando para aquela caixinha de contas da luz e revisões do carro, de tal forma outros voos já não lhe pareciam possíveis, nem sequer desejáveis. E a caixinha se ia assim fechando e apertando, os buraquinhos respiradouros foram sendo fechados um a um, e entre as 5 e as 9 havia cada vez mais tempo, cada vez menos tempo, até que os dias, as semanas e os meses se reduziram a uma linha contínua de monitor cardíaco.
Mas havia um bip nessa linha. Era irregular e escasso, mas havia indubitavelmente um bip, e esse bip evitava que a caixa se fechasse completamente, que os buraquinhos respiradouros fossem todos tapados, e a pessoa da vida pequenina aguardava diariamente pelo seu bip, agarrava-se a ele e sorvia-o na sua efemeridade diária, e assim sobrevivia.
O bip começara como uma luzinha mortiça no firmamento escuro e vazio da caixinha, mas fora aumentando de intensidade e a pessoazinha fora ficando interessada, hipnotizada, presa e dependente dessa luzinha, que ia crescendo e brilhando como uma estrelinha, que era afinal um cometa, um meteoro flamejante caindo vertiginosamente na sua direcção, ocupando cada vez mais espaço no horizonte limitado daquela vidinha.
E todos os dias, depois das 5 e antes das 9, a pessoa da vida pequenina procurava a sua luz no firmamento, porque lhe dava alento e paz e propósito, mas a luz de nada disso suspeitava. Achava-se apenas um bip, e sem saber ou se importar, continuou a cair na direcção da pessoa, e com calejada e propositada indiferença a atravessou e se afastou levando consigo a sua alma.
E a pessoa insignificante voltou para dentro da caixa, tapou os orifícios e esperou.
Mas havia um bip nessa linha. Era irregular e escasso, mas havia indubitavelmente um bip, e esse bip evitava que a caixa se fechasse completamente, que os buraquinhos respiradouros fossem todos tapados, e a pessoa da vida pequenina aguardava diariamente pelo seu bip, agarrava-se a ele e sorvia-o na sua efemeridade diária, e assim sobrevivia.
O bip começara como uma luzinha mortiça no firmamento escuro e vazio da caixinha, mas fora aumentando de intensidade e a pessoazinha fora ficando interessada, hipnotizada, presa e dependente dessa luzinha, que ia crescendo e brilhando como uma estrelinha, que era afinal um cometa, um meteoro flamejante caindo vertiginosamente na sua direcção, ocupando cada vez mais espaço no horizonte limitado daquela vidinha.
E todos os dias, depois das 5 e antes das 9, a pessoa da vida pequenina procurava a sua luz no firmamento, porque lhe dava alento e paz e propósito, mas a luz de nada disso suspeitava. Achava-se apenas um bip, e sem saber ou se importar, continuou a cair na direcção da pessoa, e com calejada e propositada indiferença a atravessou e se afastou levando consigo a sua alma.
E a pessoa insignificante voltou para dentro da caixa, tapou os orifícios e esperou.
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