Já a Formiga Tem Catarro
O metro não ia cheio. Nem por sombras. Nada daquelas confusões de hora de ponta com as pessoas a enfiarem o cotovelo no ouvido umas das outras, ou a cheirar o sovaco do vizinho. Apenas quatro ou cinco passageiros confortavelmente sentados, tanto quanto se pode estar confortavelmente sentado numa carruagem do metro, e um jovem de cabelo espetado, de pé, agarrado ao varão. Nisto, ouve-se um barulho. Um senhor que ia agarrado a um chapéu de chuva e que se balançava ritmicamente em sintonia com o comboio, hesitou durante dez segundos, depois pareceu ganhar coragem, hesitou novamente, encheu o peito de ar e inquiriu o seu vizinho do lado:
- O Sr. desculpe-me, mas acabou de pigarrear?
O vizinho fez um ar amofinado.
- Não, não pigarreei.
- Pareceu-me que tinha pigarreado. - insistiu o primeiro.
- Se lhe afirmo que não, é porque não pigarreei. - teimou o segundo, cada vez mais amofinado.
Uma senhora de meia idade que ia sentada em frente, interveio.
- A mim também me pareceu que tinham pigarreado, mas talvez não fosse o senhor.
O segundo passageiro estava a atingir um paroxismo de amofinação.
- Não pigarreei. Nunca pigarreio, meu caro senhor. E se pigarreasse não seria da sua conta. Se calhar foi o senhor quem pigarreou e quer passar despercebido.
O senhor do chapéu de chuva empertigou-se e ofendeu-se.
- Eu nunca pigarrearia num transporte público.
- E porque acha que eu pigarrearia? Acha-me com cara de quem pigarreia em qualquer lado?
O jovem que ia agarrado ao varão tentou pôr água na fervura.
- Talvez tenha aclarado a garganta...
- Não aclarei a garganta. Não preciso de aclarar a garganta. A minha garganta está muito bem da cor que está, não preciso dela mais clara nem mais escura. E também não pigarreei.
O jovem encolheu-se, mas não fugiu.
- É que a mim também me pareceu ouvir qualquer coisa...
- Também a mim, - reafirmou a senhora - mas pode ter sido apenas uma tosse seca e leve.
- Ou um aclarar de garganta... - insistiu o moço.
- Não me pareceu uma tosse seca. Achei que tinha uma ponta de catarro. - contradisse o senhor do chapéu de chuva.
O passageiro amofinado subiu o tom de voz.
- Não tenho catarro. Não estou doente, nem tenho tosse, seca, com catarro ou pigarro. Nem sequer disse nada até começarem a implicar comigo.
O primeiro passageiro respondeu, num tom conciliador:
- Peço desculpa, não queria ofender nem amofinar, apenas me pareceu ouvir pigarrear, pensei que talvez tivesse sido o senhor.
A senhora em frente propôs uma explicação, em tom condescendente.
- Talvez tivesse pigarreado sem que se apercebesse. Tive um tio que às vezes fazia isso. Pigarreava sem dar por isso. Era muito aborrecido.
- Tenho muita pena do seu tio. Lamento que não tivesse liberdade para pigarrear. Acho que as pessoas que pigarreiam, o fazem por uma razão. Se eu pigarreasse seria o primeiro a admiti-lo, mas não o fiz. Talvez tenha sido um de vós quem pigarreou. Eu não fui. Não pigarreio.
Os demais passageiros entreolharam-se e foi com alguma vergonha que cada um acabou por admitir em voz baixa que, se calhar, talvez tivesse pigarreado, porque nem sequer sabia ao certo o que era pigarrear.
O primeiro passageiro olhou-os um a um, já não amofinado, mas furioso, e sem dizer palavra levantou-se e dirigiu-se para a porta enquanto soltava um peido.
- O Sr. desculpe-me, mas acabou de pigarrear?
O vizinho fez um ar amofinado.
- Não, não pigarreei.
- Pareceu-me que tinha pigarreado. - insistiu o primeiro.
- Se lhe afirmo que não, é porque não pigarreei. - teimou o segundo, cada vez mais amofinado.
Uma senhora de meia idade que ia sentada em frente, interveio.
- A mim também me pareceu que tinham pigarreado, mas talvez não fosse o senhor.
O segundo passageiro estava a atingir um paroxismo de amofinação.
- Não pigarreei. Nunca pigarreio, meu caro senhor. E se pigarreasse não seria da sua conta. Se calhar foi o senhor quem pigarreou e quer passar despercebido.
O senhor do chapéu de chuva empertigou-se e ofendeu-se.
- Eu nunca pigarrearia num transporte público.
- E porque acha que eu pigarrearia? Acha-me com cara de quem pigarreia em qualquer lado?
O jovem que ia agarrado ao varão tentou pôr água na fervura.
- Talvez tenha aclarado a garganta...
- Não aclarei a garganta. Não preciso de aclarar a garganta. A minha garganta está muito bem da cor que está, não preciso dela mais clara nem mais escura. E também não pigarreei.
O jovem encolheu-se, mas não fugiu.
- É que a mim também me pareceu ouvir qualquer coisa...
- Também a mim, - reafirmou a senhora - mas pode ter sido apenas uma tosse seca e leve.
- Ou um aclarar de garganta... - insistiu o moço.
- Não me pareceu uma tosse seca. Achei que tinha uma ponta de catarro. - contradisse o senhor do chapéu de chuva.
O passageiro amofinado subiu o tom de voz.
- Não tenho catarro. Não estou doente, nem tenho tosse, seca, com catarro ou pigarro. Nem sequer disse nada até começarem a implicar comigo.
O primeiro passageiro respondeu, num tom conciliador:
- Peço desculpa, não queria ofender nem amofinar, apenas me pareceu ouvir pigarrear, pensei que talvez tivesse sido o senhor.
A senhora em frente propôs uma explicação, em tom condescendente.
- Talvez tivesse pigarreado sem que se apercebesse. Tive um tio que às vezes fazia isso. Pigarreava sem dar por isso. Era muito aborrecido.
- Tenho muita pena do seu tio. Lamento que não tivesse liberdade para pigarrear. Acho que as pessoas que pigarreiam, o fazem por uma razão. Se eu pigarreasse seria o primeiro a admiti-lo, mas não o fiz. Talvez tenha sido um de vós quem pigarreou. Eu não fui. Não pigarreio.
Os demais passageiros entreolharam-se e foi com alguma vergonha que cada um acabou por admitir em voz baixa que, se calhar, talvez tivesse pigarreado, porque nem sequer sabia ao certo o que era pigarrear.
O primeiro passageiro olhou-os um a um, já não amofinado, mas furioso, e sem dizer palavra levantou-se e dirigiu-se para a porta enquanto soltava um peido.
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