Sentimento de Insegurança
As pessoas são de facto surpreendentes. Nada o fazia prever, mas enquanto Paulo se dirigia calmamente para a pastelaria onde tomava habitualmente o seu café da manhã, foi assaltado por um paroxismo de raiva.
- Passa para cá o telemóvel! - exigiu o paroxismo.
Paulo não perdeu a calma duramente amealhada ao longo de anos de transportes públicos e filas de repartições de finanças.
- Calma. Talvez não precises do meu telemóvel.
- Passa-o já para cá! - repetiu o paroxismo, cada vez mais raivoso.
- Mas o meu telemóvel é velho, não vale nada.
- Ou o passas ou levas - gritou ele, vermelho de fúria.
- Pronto, pronto - acedeu Paulo, cheio de resignação.
- Estás cheio de resignação? - a fúria do paroxismo recrudesceu - Passa para cá também a resignação.
Foi o seu erro. Resignado como estava, Paulo entregou primeiro o telemóvel, e em seguida a resignação. Nessa altura sentiu a bílis subir-lhe à garganta, a mostarda ao nariz, perdeu as estribeiras e pagou-lhe da mesma moeda:
- Toma lá 20 cêntimos e dá cá o cartão SIM.
Resignado, o paroxismo de raiva extraiu cuidadosamente o cartão SIM do obsoleto aparelho e devolveu-o a Paulo, o qual, cada vez mais enervado, gritou:
- Escusas de estar a recrudescer. Dá cá também o cartão de memória.
- Mas assim o telemóvel não vale nada, nem sequer funciona. - queixou-se o assaltante.
- Não quero saber disso. Dá cá o cartão que tenho lá fotografias.
Com a resignação de Paulo, o paroxismo de raiva obedeceu e preparou-se para fugir. Paulo, agora já nada calmo, aprestava-se para o escorraçar quando se lembrou que há muito tempo não tinha um paroxismo de raiva. Resignado, encolheu os ombros e deixou-o ir.
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