TV WC

   Porque sou uma pessoa intelectual, a pouca televisão que vejo é dedicada a canais fidedignos, recheados de conteúdos sérios, certificados. Nada daqueles canais disparatados, feitos para papalvo ficar ali frente ao televisor, com uma manta em cima dos joelhos e a baba a escorrer do canto da boca enquanto vê uma telenovela, ou um concurso em que se fazem perguntas de cultura geral sobre quem casou com quem na semana passada, ou ainda programas de entretenimento em que se lê a sina e se comenta o assassinato do dia. Nem sequer telejornais, entrevistas ao político da berra ou ao intelectual da moda. Nada disso. Nem TVI, nem SIC, nem Lux TV, nem Canal de Caça. Sou um telespectador exigente, membro da Ordem dos Telespectadores, provavelmente candidato a Provedor do Telespectador num futuro próximo, e, como disse, só vejo canais fidedignos, recheados de conteúdos sérios, certificados. O canal História (com um nome destes, com H e tudo, só pode ser bom) o Odisseia, o Discovery e outros assim. Nada que não tenha legendas, o que é garantia de qualidade.
   Ora num destes canais (apenas um, a programação dos outros é totalmente diferente) passa um programa fantástico, vastamente educativo e informativo, em que diversas pessoas vendem a diversas outras pessoas que os compram objectos diversos e diversificados, todos eles usados ou em segunda mão, e quase na totalidade repletos de interesse científico ou significado histórico ou cultural. Por vezes até ambos os três simultaneamente.
   Calhou ter o privilégio de acertar num episódio (é uma série, quase uma saga) em que um cavalheiro entrou na loja com um artefacto cuidadosamente embrulhado, explicando que tinha ali uma coisa que poderia ser do interesse do comerciante. E o que era? Nada mais nada menos do que um tijolo de uma casa que havia sido demolida e que havia pertencido a Janis Joplin. Aparentemente isso faria com que o tijolo valesse diversas centenas de dólares (na opinião do vendedor). Sim, adivinharam, o programa era americano. O tijolo tinha até um certificado de autenticidade. Achei a ideia espectacular, e comecei já a numerar todos os tijolos da minha casa, para depois os certificar individualmente, e um dia mais tarde a mandar demolir e vender um a um. Não deixo nada para as imobiliárias, vendo tudo às peças, como se vivesse numa casa de Lego. Possivelmente terei que enriquecer, ganhar notoriedade e ficar famoso antes que o meu plano seja exequível, mas quase de certeza bastará ficar famoso, a riqueza virá depois, quando vender os tijolos.
   Um plano alternativo, e provavelmente mais seguro, é fanar uns quantos calhaus do Castelo de S. Jorge, aparecer na loja com um carrinho de mão, e dizer que eram da casa do D. Afonso Henriques. O Castelo é grande, mais calhau menos calhau não fará diferença, e o potencial de enriquecimento é muito maior: o Castelo de S. Jorge tem muito mais pedras do que a minha casa tem tijolos.
   Agora só me falta esperar que um daqueles canais que eu não vejo faça uma imitação deste programa tão educacional, o que não deve tardar: já copiaram tudo o resto. A verdade é que não vale a pena ir à América com um carrinho de mão cheio de pedras, não só porque as viagens low cost só permitem bagagem de mão, e tudo o resto é caríssimo, mas também porque eles não fazem ideia de quem foi o D. Afonso Henriques. Só a Janis Joplin.
   Espero que a minha eleição para Provedor do Telespectador esteja para breve, para poder recomendar aos diversos canais nacionais a realização de tão interessante programa.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

O Fado da Desgraçadinha

Libertad O Muerte

O Insurrecto