Hello Yellow Brick Road

   Tinha um apelido invulgar. Era Comum. O seu nome era incomum. Chamava-se Lugar.
   Lugar Comum era uma daquelas pessoas normais, sem serem ordinárias, que se deliciavam com banalidades e eram viciados em trivialidades. Via telejornais, lia crónicas nos jornais, e ia ao cinema quando as críticas eram favoráveis. Lia os livros do Top 10 da FNAC e ouvia a Antena 3. Enfim, uma pessoa vulgar. Era contra o governo, fosse qual fosse, e apoiava as minorias, quaisquer que fossem. Frequentava esplanadas e vestia à moda, e foi numa dessas esplanadas que o destino o encurralou. Bebia um cappuccino, porque a bica se tinha tornado ordinária, e quase passava despercebido, excepto a uma moçoila vigorosa que se aproximou sem timidez e lhe pediu lume. Lugar Comum, não fumava, desde que isso se tinha tornado anti-social (brevemente antissocial, porque a grafia começava a pegar), mas quando ergueu os olhos para responder ficou ofuscado pela beleza dela. Era uma beleza invulgar, exótica, e destoava no meio da esplanada repleta de smartphones e laptops. Morena de tez e cabelo, evocava destinos tropicais e costumes inusitados, e em vez de responder simplesmente que não fumava, Lugar Comum disse sem pensar:
   - Lume fora eu, menina, para poder chegar-lhe o fogo que me consome. Não se vá, que lho trago já.
   E surripiou um Zippo da mesa do lado, antes que o dono se pudesse opor. Com fingida prática e à vontade, acendeu-lhe a vela de estearina que ela segurava com a ponta dos dedos, como se queimasse ainda apagada. Ela agradeceu e ia virar costas e sumir-se na multidão, mas ele não lhe deu azo e perguntou:
   - Não nos conhecemos já?
   Ela negou, mas ele insistiu.
   - Já sei. A menina é a mulher dos meus sonhos. Povoa as minhas noites diariamente e foge-me todas as manhãs ao acordar. Se sonho agora, pretendo não despertar. Não quer sentar-se e tomar um café comigo?
   Ela ia declinar, mas a vela apagara-se e ele tinha já sinalizado ao empregado as duas bicas e tornado a surripiar o Zippo do Sr. da mesa do lado, para grande aborrecimento deste, e por tudo isto e sabe-se lá porquê mais, ela sentou-se.
   Ele apresentou-se e ela pareceu não estranhar o nome. O seu era Arrayanna, consentiu em divulgar, e ele achou-o giro e invulgar, esquecido do seu, e perguntou-lhe de onde era. Antes que respondesse, ele atalhou a resposta e opinou:
   - É um bonito nome. Qual é a origem? Parece sul americano, talvez de Ceilão ou Sri Lanka.
   Ela explicou que era de Portalegre e piscou-lhe um olho, num gesto atrevido.
   - Tem uns olhos muito bonitos, Arrayanna - disse Lugar Comum.
   Ela sorriu sem responder e ele não conseguiu evitar comentar:
   - E um sorriso muito simpático. Se me perdoa a curiosidade, que faz aqui nesta esplanada, com essa vela?
   Ela falou pela primeira vez, entoando numa voz funda e cantada as primeiras palavras além do seu nome:
   - Procuro o meu unicórnio. Gosta do cheiro das minhas velas e costuma aproximar-se quando o sente.
   Talvez fosse do cheirinho que o empregado pusera no café, mas Lugar Comum, levado por um impulso que não teria explicação a não ser a aguardente, levantou-se da cadeira, pôs um joelho no chão e segurou na mão da moçoila.
   - Donzela Arrayanna, aqui e agora lhe ofereço os meus parcos préstimos na demanda que aqui a trouxe. Quis o destino que saísse dos meus sonhos para a minha vida, e que quão vil seria eu se não envidasse todos os meus esforços para auxiliá-la na procura do seu animal de estimação.
   - Não é o meu animal de estimação, é o meu amigo. Viajamos sempre juntos, e agora preciso seguir caminho e não sei onde está. É muito gentil em oferecer o seu auxílio. Aceito com prazer e gratidão. Não é todos os dias que um garboso cavalheiro se dispõe a ajudar uma estranha em dificuldades.
   - Não é uma estranha, Donzela Arrayana, é a mulher dos meus sonhos e conheço-a desde sempre.
   E Lugar Comum acrescentou:
   - Não somos estranhos, apenas amigos que ainda não se haviam conhecido.
   Ela tornou a sorrir, pousou-lhe devagar a mão no antebraço e piscou-lhe de novo o olho. Ele sentiu algo ceder dentro dele, e com vagar e determinação segurou-lhe a mão e conduziu-a para fora da esplanada, deixando para trás smartphones e laptops, livros da FNAC e críticas cinematográficas, convicções políticas e acessórios de moda, caminhando na direcção do país dos sonhos e dos lugares comuns, em busca de um unicórnio.

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