Gourmet
- Ora então o que vai ser? - perguntou, enquanto esfregava a mesa com fingido vigor.
- O que tem pronto a sair? - perguntou por sua vez o homem mais velho.
- A esta hora já há pouca coisa. Dos pratos do dia já só temos meia dose de polvo à Lagareiro e uma de rojões à minhota. Só um momento que trago já o menu. Vão desejar entradas?
Os três assentiram, mas prescindiram da pasta de sardinha. Apenas o pão, a manteiga e umas azeitonas. Ah, e um queijo para barrar.
O empregado trouxe as entradas e os menus, e foi à sua vida, distribuir jarros de vinho da casa e levantar uma mesa. Voltou pouco depois.
- Então já escolheram?
Disse o mais velho:
- Eu vou querer os rojões.
O menos velho perguntou:
- Tem menu vegetariano?
- Sim, está aí na terceira página, entre o menu canibal e as sobremesas.
- Desculpe, disse menu canibal?
- Sim, na terceira página, antes do menu vegetariano.
- O que é o menu canibal?
- Bem, como o nome indica, são pratos confecionados com carne humana. Vêm acompanhados com arroz integral ou batata cozida e legumes. A perna no forno é uma especialidade da casa.
- A perna no forno? Quer dizer que é perna humana?
- Sim, da parte da coxa, a canela não tem muito que comer, é praticamente só osso.
- Mas servem mesmo carne humana? - insistiu o do meio.
O empregado explicou de novo, pacientemente.
- Sim, é uma das especialidades da casa. Somos até bastante conhecidos por isso.
- Acredito que sejam, se servem carne humana, mas isso não é proibido?
- Não senhor, não há legislação nenhuma a esse respeito. Há muitas leis a respeito da conservação dos alimentos e do material que deve ser usado para confecionar os pratos, mas não há nada que diga que não podemos servir carne humana. Olhem, se não decidiram ainda, pensem mais um pouco, que eu volto já.
E afastou-se duas mesas para rabiscar uma conta na toalha de papel de um cliente apressado. O mais velho disse:
- Ainda bem que fui a tempo de escolher os rojões. É melhor perguntar se são de porco.
- Estava capaz de jurar que a antropofagia era proibida... - reflectiu o menos velho em voz alta.
- Talvez não seja. Na verdade nunca ouvi falar nisso. Mas também nunca achei que fosse preciso haver uma lei sobre comer pessoas, e possivelmente é mesmo por isso que não há.
O empregado voltou.
- Ora muito bem. Então já decidiram?
- Os rojões são de porco?
- Sim, claro. Não se fazem rojões de frango...
- Era para ter a certeza que não eram de pessoa.
- Não, de pessoa só fazemos a perna no forno, que é uma especialidade da casa, costela grelhada na brasa e espetada de nádega. Às vezes, quando a pessoa já tem uma certa idade, fazemos chanfana.
- Mas matam muitas pessoas por dia?
- Deus me livre, nós não matamos ninguém! Isso seria assassínio! Não é permitido. Mas também não matamos o porco para fazer os rojões ou a vaca para fazer o cozido. Isto é um restaurante, não é um matadouro. Os nossos produtos são todos adquiridos no mercado abastecedor, temos facturas de tudo.
- Tem facturas das pessoas?
- De tudo. A ASAE e o fisco não perdoam, está tudo em ordem. Olhe e ainda há quinze dias esteve cá a ASAE e não pegou por nada, a não ser umas facas de cortar o peixe, que não eram da cor certa.
- E a ASAE soube que cozinhavam carne humana?
- Deve ter sabido. Está no menu, viram os frigoríficos e verificaram as facturas.
- Mas onde comercializam pessoas?
- Compramos à morgue. Eles examinam as pessoas, para ter a certeza que não têm doenças e se for saudável, nós compramos. Mas só compramos uma ou duas por dia, porque só vendem a peça completa e há muito que não se aproveita.
- A morgue vende pessoas?
- Só as vítimas de acidente, se morrer de doença não é permitido. Não seria seguro para a saúde pública. E só se tiverem cartão de consumo.
- O que é isso de cartão de consumo?
- É um cartão que as pessoas podem ter, a autorizar que sejam consumidas. É como o cartão de dador de órgãos, ou de sangue, só que se refere às partes que já não têm aproveitamento. Como as coxas ou as costelas.
- Ou as nádegas...
- Ou as nádegas. - confirmou o empregado.
- Nunca ouvi falar de tal coisa. - disse o cliente mais ou menos velho.
- Pois olhe que está a ser cada vez mais usado. A pessoa quando morre já não tem mais utilidade, só dá é despesas com funerais e enterros, e assim não só a família fica liberta dessas despesas, como ainda recebe um dinheirinho, que dá sempre jeito.
- E há muita gente a comer pessoas?
- Não há muitas, mas somos um restaurante virado para a multiculturalidade, e há gente de muitas proveniências, e com hábitos diferentes dos nossos. Daí o menu vegetariano, por exemplo.
- Ou o menu canibal...
- Sim, ou esse. Ora então já escolheram? Vão querer a perna no forno?
- Olhe, eu acho é que perdi o apetite. Afinal cancele os rojões, traga-me antes um café curto em chávena aquecida, se faz favor.
Os outros dois também tinham perdido o apetite e pediram respectivamente um café pingado e um café cheio com um cheirinho de aguardente. O empregado não pareceu agastado por o terem feito perder tempo, e gritou para dentro do balcão:
- Ó Carlos, tira aí três bicas.
- O que tem pronto a sair? - perguntou por sua vez o homem mais velho.
- A esta hora já há pouca coisa. Dos pratos do dia já só temos meia dose de polvo à Lagareiro e uma de rojões à minhota. Só um momento que trago já o menu. Vão desejar entradas?
Os três assentiram, mas prescindiram da pasta de sardinha. Apenas o pão, a manteiga e umas azeitonas. Ah, e um queijo para barrar.
O empregado trouxe as entradas e os menus, e foi à sua vida, distribuir jarros de vinho da casa e levantar uma mesa. Voltou pouco depois.
- Então já escolheram?
Disse o mais velho:
- Eu vou querer os rojões.
O menos velho perguntou:
- Tem menu vegetariano?
- Sim, está aí na terceira página, entre o menu canibal e as sobremesas.
- Desculpe, disse menu canibal?
- Sim, na terceira página, antes do menu vegetariano.
- O que é o menu canibal?
- Bem, como o nome indica, são pratos confecionados com carne humana. Vêm acompanhados com arroz integral ou batata cozida e legumes. A perna no forno é uma especialidade da casa.
- A perna no forno? Quer dizer que é perna humana?
- Sim, da parte da coxa, a canela não tem muito que comer, é praticamente só osso.
- Mas servem mesmo carne humana? - insistiu o do meio.
O empregado explicou de novo, pacientemente.
- Sim, é uma das especialidades da casa. Somos até bastante conhecidos por isso.
- Acredito que sejam, se servem carne humana, mas isso não é proibido?
- Não senhor, não há legislação nenhuma a esse respeito. Há muitas leis a respeito da conservação dos alimentos e do material que deve ser usado para confecionar os pratos, mas não há nada que diga que não podemos servir carne humana. Olhem, se não decidiram ainda, pensem mais um pouco, que eu volto já.
E afastou-se duas mesas para rabiscar uma conta na toalha de papel de um cliente apressado. O mais velho disse:
- Ainda bem que fui a tempo de escolher os rojões. É melhor perguntar se são de porco.
- Estava capaz de jurar que a antropofagia era proibida... - reflectiu o menos velho em voz alta.
- Talvez não seja. Na verdade nunca ouvi falar nisso. Mas também nunca achei que fosse preciso haver uma lei sobre comer pessoas, e possivelmente é mesmo por isso que não há.
O empregado voltou.
- Ora muito bem. Então já decidiram?
- Os rojões são de porco?
- Sim, claro. Não se fazem rojões de frango...
- Era para ter a certeza que não eram de pessoa.
- Não, de pessoa só fazemos a perna no forno, que é uma especialidade da casa, costela grelhada na brasa e espetada de nádega. Às vezes, quando a pessoa já tem uma certa idade, fazemos chanfana.
- Mas matam muitas pessoas por dia?
- Deus me livre, nós não matamos ninguém! Isso seria assassínio! Não é permitido. Mas também não matamos o porco para fazer os rojões ou a vaca para fazer o cozido. Isto é um restaurante, não é um matadouro. Os nossos produtos são todos adquiridos no mercado abastecedor, temos facturas de tudo.
- Tem facturas das pessoas?
- De tudo. A ASAE e o fisco não perdoam, está tudo em ordem. Olhe e ainda há quinze dias esteve cá a ASAE e não pegou por nada, a não ser umas facas de cortar o peixe, que não eram da cor certa.
- E a ASAE soube que cozinhavam carne humana?
- Deve ter sabido. Está no menu, viram os frigoríficos e verificaram as facturas.
- Mas onde comercializam pessoas?
- Compramos à morgue. Eles examinam as pessoas, para ter a certeza que não têm doenças e se for saudável, nós compramos. Mas só compramos uma ou duas por dia, porque só vendem a peça completa e há muito que não se aproveita.
- A morgue vende pessoas?
- Só as vítimas de acidente, se morrer de doença não é permitido. Não seria seguro para a saúde pública. E só se tiverem cartão de consumo.
- O que é isso de cartão de consumo?
- É um cartão que as pessoas podem ter, a autorizar que sejam consumidas. É como o cartão de dador de órgãos, ou de sangue, só que se refere às partes que já não têm aproveitamento. Como as coxas ou as costelas.
- Ou as nádegas...
- Ou as nádegas. - confirmou o empregado.
- Nunca ouvi falar de tal coisa. - disse o cliente mais ou menos velho.
- Pois olhe que está a ser cada vez mais usado. A pessoa quando morre já não tem mais utilidade, só dá é despesas com funerais e enterros, e assim não só a família fica liberta dessas despesas, como ainda recebe um dinheirinho, que dá sempre jeito.
- E há muita gente a comer pessoas?
- Não há muitas, mas somos um restaurante virado para a multiculturalidade, e há gente de muitas proveniências, e com hábitos diferentes dos nossos. Daí o menu vegetariano, por exemplo.
- Ou o menu canibal...
- Sim, ou esse. Ora então já escolheram? Vão querer a perna no forno?
- Olhe, eu acho é que perdi o apetite. Afinal cancele os rojões, traga-me antes um café curto em chávena aquecida, se faz favor.
Os outros dois também tinham perdido o apetite e pediram respectivamente um café pingado e um café cheio com um cheirinho de aguardente. O empregado não pareceu agastado por o terem feito perder tempo, e gritou para dentro do balcão:
- Ó Carlos, tira aí três bicas.
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