Mulherzinhas

   Num prédio remodelado da zona baixa de Campo de Ourique viviam três amigas. Viviam em três apartamentos diferentes, o que não afectava a sua amizade. Uma era uma flausina, outra era uma sirigaita, e a terceira era uma galdéria.
A sirigaita era habitualmente a primeira a chegar a casa. Entrava muito lampeira, verificava o correio e ia muito empertigada enfiar-se no elevador para subir ao primeiro andar, onde residia num t1 remodelado. Como o prédio.
Passado um bocado chegava a flausina. Entrava sem cumprimentar a vizinha do rés-do-chão, e dirigia-se do modo mais expedito ao seu apartamento t0 com kitchenette. Remodelado. Umas vezes subia de elevador, outras vezes ia pelas escadas, se aquele não estivesse imediatamente disponível. Morava no primeiro andar, mesmo em frente da sirigaita, mas passava pela porta toda espevitada como se ali não morasse ninguém.
    A galdéria chegava mais tarde. Como a sirigaita, verificava o correio, mas tinha o cuidado de pôr a publicidade não endereçada no correio do vizinho do terceiro andar, um senhor careca e educado, que nunca estranhou receber em duplicado panfletos do MRPP ou prospectos do Professor Cachimbé a oferecer-se para resolver os seus problemas de saúde, financeiros ou sentimentais. Depois descalçava-se, dava dois dedos de conversa à vizinha do rés-do-chão e subia diligentemente ao seu t0 no 2º Esq. Não tinha kitchenette, mas era remodelado. Subia pelas escadas, com os sapatos na mão, e parava no 1º andar para falar às amigas. Batia à porta da flausina, falavam um minuto ou dois, ou os necessários para que a sirigaita ouvisse as vozes e abrisse a porta para se juntar à conversa. Trocavam trivialidades e gabavam os sapatos umas das outras, embora a galdéria os trouxesse na mão. Depois recolhiam-se aos seus apartamentos e telefonavam-se. A sirigaita telefonava à galdéria e criticava os sapatos da flausina. A galdéria telefonava à flausina e riam-se do vestido da sirigaita. A flausina telefonava à sirigaita e criticavam os hábitos dela. Depois cada uma uma punha uma fotografia no Facebook e as outras diziam que estava muito bonita. Com muitos aaaaaas. "Que lindaaaaaaa".
    Por vezes saiam juntas. Iam a um bar da moda, ou uma discoteca cara, onde faziam muito sucesso, ignorando os homens que tentavam meter conversa com qualquer delas. Voltavam tarde, de táxi, e a galdéria no dia seguinte, de autocarro, com os sapatos na mão. 
    Eram felizes assim, nesta rotina habitual, até ao dia em que a galdéria não tocou à campainha da flausina. A sirigaita esperou em vão pelas vozes nas escadas, e despeitada por não as ouvir não pôs um like no facebook das amigas. Estas imediatamente a retiraram da lista dos 4382 amigos íntimos do facebook e passaram a usar o whatsapp. Foi a gota de água! Desceu ao rés-do-chão e contou à vizinha que o apartamento da galdéria não era remodelado, pois não tinha kitchenette. A galdéria veio a saber disto, e desceu ao primeiro andar com os chinelos numa mão e a outra na anca para descompor a sirigaita, pois sabia perfeitamente que a flausina nunca tinha entrado no seu t0, pelo que só a sirigaita lhe podia ter passado tal informação.
    Andaram nestas desavenças durante semanas, sem se falarem na escada ou sem porem likes no facebook umas das outras, até que o sr do terceiro andar, cansado desta situação, lhes marcou uma consulta com o Professor Cachimbé.

    E viveram felizes para sempre.

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