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A mostrar mensagens de novembro, 2016

O Homem Que Tinha Tudo e o Homem Que Não Tinha Nada

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Era um homem que tinha tudo. Nascido em berço de ouro foi criado no seio de uma família carinhosa, onde nada lhe faltou. Pais extremosos, tios e avós que o apaparicaram desde pequeno, irmãos com quem sempre se deu bem e serviçais dedicados que cuidaram dele e da fratria como se dos seus se tratassem. Teve sempre uma saúde de ferro, um sorriso radioso e um coração de oiro, de tal forma que amigos verdadeiros nunca lhe faltaram. Cresceu assim, sortudo. Nasceu com o cuzinho virado para a Lua, tinha uma estrelinha, era o homem que tinha tudo. Tinha saúde, família e amigos. Tinha uma esposa dedicada, que o amava ternamente. Tinha uma amante devotada que o amava apaixonadamente. Tinha três filhos seus, que o idolatravam. Tinha ambos os pais vivos e de saúde e quase todos os avós. Tinha os dentes todos e sem cáries. Tinha dinheiro e títulos do tesouro. Tinha uma casa na cidade e uma vivenda na praia. Ainda tinha o apêndice e as amígdalas. Tinha tesouros imateriais e materiais. Tinha um Matiss

Jim, I wore a tie today

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Não publiquem a minha morte na necrologia do Correio da Manhã. Não chamem gente de longe para vir chorar lágrimas de crocodilo. Não chamem gente de perto para fingir que se importa. Não façam colectas para flores de plástico. Dispenso missas e velórios e marchas fúnebres. Tragam-me cardos e urtigas e folhas de alface, Vinho e cerveja e pão com chouriço Arranjem-me uma lápide de plástico com nada escrito. Encham a cova com pedras da calçada e mijem lá para dentro Ou não façam nada disso. Mas sobretudo, Façam o que fizerem, Sobretudo, Não me enterrem de fatinho.

Já a Formiga Tem Catarro

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   O metro não ia cheio. Nem por sombras. Nada daquelas confusões de hora de ponta com as pessoas a enfiarem o cotovelo no ouvido umas das outras, ou a cheirar o sovaco do vizinho. Apenas quatro ou cinco passageiros confortavelmente sentados, tanto quanto se pode estar confortavelmente sentado numa carruagem do metro, e um jovem de cabelo espetado, de pé, agarrado ao varão. Nisto, ouve-se um barulho. Um senhor que ia agarrado a um chapéu de chuva e que se balançava ritmicamente em sintonia com o comboio, hesitou durante dez segundos, depois pareceu ganhar coragem, hesitou novamente, encheu o peito de ar e inquiriu o seu vizinho do lado:    - O Sr. desculpe-me, mas acabou de pigarrear?    O vizinho fez um ar amofinado.    - Não, não pigarreei.    - Pareceu-me que tinha pigarreado. - insistiu o primeiro.    - Se lhe afirmo que não, é porque não pigarreei. - teimou o segundo, cada vez mais amofinado.    Uma senhora de meia idade que ia sentada em frente, interveio.    - A mim também me pa

Sentimento de Insegurança

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As pessoas são de facto surpreendentes. Nada o fazia prever, mas enquanto Paulo se dirigia calmamente para a pastelaria onde tomava habitualmente o seu café da manhã, foi assaltado por um paroxismo de raiva.    - Passa para cá o telemóvel! - exigiu o paroxismo.    Paulo não perdeu a calma duramente amealhada ao longo de anos de transportes públicos e filas de repartições de finanças.    - Calma. Talvez não precises do meu telemóvel.    - Passa-o já para cá! - repetiu o paroxismo, cada vez mais raivoso.    - Mas o meu telemóvel é velho, não vale nada.    - Ou o passas ou levas - gritou ele, vermelho de fúria.    - Pronto, pronto - acedeu Paulo, cheio de resignação.    - Estás cheio de resignação? - a fúria do paroxismo recrudesceu - Passa para cá também a resignação.    Foi o seu erro. Resignado como estava, Paulo entregou primeiro o telemóvel, e em seguida a resignação. Nessa altura sentiu a bílis subir-lhe à garganta, a mostarda ao nariz, perdeu as estribeiras e pagou-lhe da mesma moe