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A mostrar mensagens de outubro, 2016

Orientação Profissional

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- Filho, o que queres ser quando fores grande? - Ainda bem que perguntas isso, pai. Eu quero ser rabejador. - Rabejador? Ó filho, mas que raio de profissão é essa? Isso não é profissão de futuro. Tu não sabes que querem acabar com as touradas? - Ó pai, eu tenho orgulho nas minhas raízes étnico-culturais. É uma coisa que me define. Pensei fazer rendas de bilros, ou chocalhos, mas a minha vocação é mesmo rabejador. Sinto-o nas veias, a pulsar-me nas entranhas. - Sim, filho, compreendo-te, todos nós sentimos essa pulsão de rabejar, mas tens que pensar no teu futuro. Ser rabejador não garante que venhas a ter uma vida estável. Já pensaste que quando quiseres fazer um crédito à habitação te perguntarão a tua profissão? E que dirás tu? "Sou rabejador". "É rabejador do quadro, vinculado ou contratado?" - perguntar-te-ão. E tu que dirás? Não há quadros de rabejadores, queria queixar-me ao sindicato, mas também não há um sindicato de rabejadores. Os rabejadores são discrimin

Rómulo e Abel

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    Numa casa no limite da vila moravam dois irmãos. Eram muito parecidos, quase gémeos, e os pais gostavam muito deles. A casa era simpática, nem ostentosa, nem humilde, térrea, com um quintal apenas suficiente para criar meia dúzia de tomates e outras tantas alfaces, e suportar um cão pequeno. Tinha uma água furtada, janelas de três lados e uma porta pintada de verde com um batente de latão.     Todos os dias o irmão mais velho, embora pouco, saía daquela porta brilhante e seguia o caminho que o levava direitinho à escola, a casa dos amigos, à missa ou ao parque. Seguia pelo passeio, atravessava na passadeira e cumprimentava os vizinhos e os amigos dos pais.     O irmão mais novo saía pela janela e enfiava pelos campos. Sujava as botas de lama no Inverno e os sapatos de pó no Verão, atirava pedras aos pássaros e brincava com os ciganos.     Na escola, eram ambos bons alunos. O mais velho sabia a tabuada de cor, conhecia as preposições e solfejava que era um primor; o mais novo fazia

Verbos

Há muito tempo atrás, num longínquo país muito distante, vivia um verbo defectivo. Vivia sozinho, muito triste, por ser defectivo. Os outros verbos eram afectivos e davam-lhe palmadinhas nas costas e convidavam-no para comer palmiers e pastéis de nata, mas nada disso chegava para alegrar o pobre verbo defectivo. Sentia-se incompleto, menos do que os outros, e algo vazio, apesar dos esforços dos companheiros, que o visitavam amiúde. E nunca tinha falta de companhia, o pobre verbo defectivo. Os outros verbos vinham visitá-lo aos magotes, em grupos. À segunda feira vinha o 1º grupo almoçar, brincar, lanchar e às vezes até jantar. À 3ª feira vinha o 2º grupo ler e conviver, e à 4ª feira vinha outro grupo, o 3º, para o divertir, fazer sorrir e descontrair. Mas era a partir de 5ª feira que as coisas pioravam, e ao pobre verbo defectivo começavam a faltar pessoas, ou tempos, de tal forma que por vezes nem tinha modos. E a isto não era alheio um vizinho impessoal, nada simpático, que tinha o h

O Insurrecto

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Era um girassol, entre muitos outros girassóis. Era um campo de girassóis, a perder de vista com milhares de cabeças levantadas a olhar o céu, alinhados e espevitados como soldados na parada. Mas no meio de todos esses girassóis, havia um que era diferente. Os outros girassóis chamavam-lhe "O Insurrecto", porque ao contrário deles não seguia religiosamente o Sol. Enquanto os demais, os surrectos, acordavam virados para Leste, almoçavam virados para Sul e adormeciam virados para Poente, o Insurrecto olhava para outros sítios. Olhava para baixo e sabia o que se passava no solo. Conhecia as minhocas e os ratos e as cobras; olhava a estrada que limitava o campo e conhecia os carros e camiões e imaginava a que lugares se dirigiam. Este, era um girassol que vira o Norte, que sentira na cara o vento fresco, que via as sombras quando os outros só viam a luz. E enquanto todos os outros girassóis baixavam a cara e adormeciam quando o sol se punha, este era o girassol que vira a Lua. E

O desalmado

Houve em tempos uma pessoa igual às outras. Presa na sua vida pequenina das 9 às 5, pouco mais fazia depois das 5 do que esperar pelas 9. Nem sempre assim fora, mas o tempo e a idade a foram empurrando para aquela caixinha de contas da luz e revisões do carro, de tal forma outros voos já não lhe pareciam possíveis, nem sequer desejáveis. E a caixinha se ia assim fechando e apertando, os buraquinhos respiradouros foram sendo fechados um a um, e entre as 5 e as 9 havia cada vez mais tempo, cada vez menos tempo, até que os dias,  as semanas e os meses se reduziram a uma linha contínua de monitor cardíaco. Mas havia um bip nessa linha. Era irregular e escasso, mas havia indubitavelmente um bip, e esse bip evitava que a caixa se fechasse completamente, que os buraquinhos respiradouros fossem todos tapados, e a pessoa da vida pequenina aguardava diariamente pelo seu bip, agarrava-se a ele e sorvia-o  na sua efemeridade diária, e assim sobrevivia. O bip começara como uma luzinha mortiça no fi

Libertad O Muerte

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Foi quando veio o IMI para pagar que o verniz estalou. Até então os moradores da Quinta dos Sobreiros viviam um vida razoavelmente tranquila, não mais sobressaltada do que a de qualquer outro munícipe da margem sul que escolhera viver fora de Lisboa, mas quando os habitantes do condomínio aberto receberam a conta do IMI, verificaram que tinha havido um aumento significativo naquela conta, face ao ano anterior. Foi o Sr Ferreira quem reparou nisso, ao abrir a caixa do correio e encontrar o envelope da Autoridade Tributária. Começou a resmungar em voz alta, para consigo próprio, mas o vizinho, que o ouviu, juntou a sua voz aos protestos, a conversa atraíu a D. Ermelinda da casa em frente, e brevemente uma mão cheia de condóminos vituperava contra o aumento, salientando que nem havia policiamento, e a recolha do lixo por vezes ficava por fazer e os ajardinamentos municipais estavam desleixados. Os protestos subiram de tom, quando alguém mencionou o preço das portagens que davam acesso à c

Desporto

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   Não sou um desportista. Tampouco sou um amante do desporto. Nunca fui daquelas pessoas que seguem religiosamente cada jornada de futebol, cada grande prémio de F1 ou cada Taça CERS. Mas sou Português, e não há português que se preze (e eu prezo-me, porque se não me prezar, ninguém me prezará) que não tenha lá no fundo uns resquícios de memórias de tempos áureos futebolísticos. No meu caso esses tempos medem-se em nomes, uns mais famosos que outros, outros esquecidos. Mas eu lembro-me. Estão-me indelevelmente gravados na memória, em baixo relevo, nomes e figuras que fazem parte do nosso património histórico, ainda que escamoteados do rol de D. Fuas Roupinho, Deu-La-Deu Martins ou Brites de Almeida. Serei parcial, dada a minha costela Benfiquista, mas qual é o Português digno desse título que pode passar ao lado de nomes como Bento, Victor Baptista (sim, com C e com P) e Shéu Han? Alguém pode esquecer Néné, Simões ou Jaime Graça? Mas eu não sou apenas Benfiquista. Há outros nomes que